Carta - Março 2020

Por Alexandre Frota - Gestor de Valores Mobiliários

O Moro saiu, e agora?

Vamos começar lembrando nosso contexto recente e as ações tomadas.

 Desde 2019, eu tinha um cenário muito claro, num Brasil pós recessão e em recuperação econômica, minha lista com as prioridades para investimentos era:

1º – Renda variável - ações

2º – Renda variável - Fundos imobiliários

3º – Renda variável - Fundos multimercados

4º – Renda Fixa - Pré-fixados e indexados

5º – Renda Fixa - Pós-fixados (atrelados ao CDI)

Até janeiro desse ano, não se falava em pandemia. Acreditávamos estar numa recuperação lenta, mas em curso, por isso vínhamos constantemente sugerindo o aumento gradual em ativos de renda variável – ações, com expectativas de maior ganho nesse segmento do que nos demais, inclusive do que nos fundos imobiliários (para mim, essa seria a segunda melhor opção).

No final de fevereiro, a pandemia se consolidou e em março os mercados mundiais entraram em pânico e tivemos um dos piores meses da história, em quase todos os mercados nacionais e mundiais, inclusive na renda fixa pré-fixada e indexada. Nesse período, continuava fazendo sentido aumentar posições em RV – Ações, pois a crise do COVID19 era algo que a natureza se encarregaria de resolver, independente da interferência humana, e tinha prazo determinado para que caso não resolvesse, amenizasse essa situação. Em média, cada país/região demorava 5 meses do início ao final da curva de contaminação.

Nesse interim, com o isolamento social, encaramos uma nova crise, a econômica. Talvez até mais grave e duradoura que a do COVID19. Contudo, a crise econômica infelizmente atingiria em cheio somente algumas classes de trabalhadores e as pequenas/médias empresas. Historicamente, as grandes empresas (listadas na Bolsa) com seus caixas robustos e dominância em seus mercados saíram mais fortalecidas em momentos de grandes crises econômicas, ganhando o espaço das empresas que sucumbiram no período. Mais uma vez, fazia sentido aproveitar as desvalorizações absurdas que ocorreram e aumentar as posições em RV – Ações. Nessa fase, sugerimos uma redução nos ativos de renda fixa que tinham exposição a credito privado para diminuir o risco de levarmos algum “calote” e reforçar nosso caixa que poderia ser utilizado tanto para emergências, quanto para oportunidades.

  1. O racional das sugestões de aumento em RV – Ações acima era sempre o mesmo, tínhamos um belo espaço para voltar aos níveis pré-crise (upside), a maioria das “compras” feitas do final de fevereiro para cá teve um upside maior de 50%. Eu não sei quanto tempo vai demorar para voltarmos aos níveis pré-crise, mas sei que no dia que chegarmos lá, todo esse ganho estará no nosso bolso e num mundo com taxa de juros baixas ou negativas. Mesmo que demore 5 anos, ainda assim, isso seria um ótimo resultado, mas...

O Moro saiu, e agora? 

Não há nada tão ruim que não possa ficar pior, correto? Pois bem, a saída do Moro e mais alguns sinais que o governo vem dando nas últimas semanas, acenderam em minha mente alguns sinais de alerta os quais preciso compartilhar com você e que, dependendo do que conversarmos nos próximos dias, poderemos alterar a estratégia até então implementada. Vamos lá: 

A saída do Moro, em si, tem muito pouco impacto na economia e nos investimentos. O problema são consequências e desdobramentos deste evento. 

Estamos falando de um Juiz Federal, com 22 anos de experiência e inteligente o suficiente para desmantelar um dos maiores esquemas de corrupção da história mundial e colocar, pela primeira vez, políticos e empresários poderosos atrás das grades. É muito claro que esse cidadão entende muito de 3 coisas: Estratégia, Legislação e provas.

Moro foi fundamental para a eleição desse presidente. Ele era a personificação do que o presidente pregava: o combate a corrupção, extinção de privilégios, etc. Ele era o próprio “bem” na luta do bem contra o mal. 

Eu acredito que para esse juiz convocar uma coletiva de imprensa, bombardear diretamente o Bolsonaro e abandonar o barco no meio da crise gravíssima que já estávamos inseridos, ele deva ter provas irrefutáveis contra o governo e seu presidente e isso mudou todo meu racional de investimento, como veremos mais na frente.

Assumindo que ele (Moro) tenha tais provas, nós teremos um ou mais processos de impeachment iniciados nos próximos dias. Caberá ao congresso dar continuidade ou arquivar tais processos e, como todos nos sabemos, a relação do Presidente com o legislativo nunca foi muito saudável.

O histórico do Bolsonaro enquanto legislador sempre foi pró-estado, poucas vezes ele seguiu o caminho liberal, a não ser agora na eleição presidencial, quando emplacou o Ministro Paulo Guedes (liberal) como seu “posto Ipiranga” dos assuntos econômicos. Acontece que o Presidente vem minando o próprio Guedes. O programa de investimentos do governo federal, chamado pró-brasil, foi lançado na semana passada sem a presença do Paulo Guedes e esse programa  lembra o PAC da ex-presidente Dilma, onde o governo tenta acelerar a economia através do aumento dos gastos do governo federal (obras) com um dinheiro que ele não tem. Essa estratégia econômica terminou na maior recessão da história recente do nosso país. Além disso, é algo que o ministro da economia é contra. Ele como liberal que é, defende que a recuperação seja encabeçada pelo setor privado através de concessões etc.

Eu não tenho dúvidas de que se o Paulo Guedes sentir que está sendo deixado de lado, ele sai também e isso deixaria a saída do Moro como uma lembrança quase que insignificante, frente a tempestade que se formaria.

 

Voltemos ao impeachment. Visualizo alguns cenários, como segue:

1 – Não tem Processo: Para evitar o processo, o governo terá que “conversar” com o congresso e, entenda-se por conversar, voltar a velha política baseada no toma lá, dá cá. Isso seria um caminho sem volta e com consequências negativas no médio prazo. Caso esse caminho seja seguido, provavelmente teríamos uma guinada mais à esquerda, com o presidente agindo mais de acordo com seu histórico e com ações mais pró-estado, etc. Neste cenário, o núcleo liberal deveria sair, por não ter mais espaço para desenvolver qualquer plano que deseje.

2 – Tem processo e o presidente é absolvido: teríamos um cenário semelhante ao cenário 1, contudo com um agravante, o presidente teria que “dar” mais para conseguir a absolvição.

3 – Tem processo e o presidente é condenado: o vice-presidente Mourão assume até as eleições de 2022. Teríamos criado mais uma jaboticaba Brasileira: um General do exército no comando executivo de um país até então democrático. Acredito que o Gal. Mourão seja até mais bem preparado que o presidente Bolsonaro e vale lembrar que, desde o início desse governo, com forte presença dos militares em cargos chaves, a chamada “ala militar” tem sido bem mais moderada que o próprio presidente. Entretanto, é uma situação que poderia ser pouco entendida pelo resto do mundo o que, provavelmente, assustaria ainda mais os investidores internacionais, fundamentais para acelerar nossa possível recuperação.

4 – O Presidente renuncia: teríamos um cenário semelhante ao cenário 3, porém menos traumático e bem mais rápido, já que um processo de impeachment dura entre 6 meses e 1 ano para ser concluído, mas gerando os mesmos medos à comunidade internacional.

5 – Golpe militar: acho o menos provável apesar da grande influência militar no governo. O Brasil é um país continental e populoso. Isso por si só já torna um ofensiva militar muito complexa, além disso, como dito anteriormente a ala militar até agora tem sido mais moderada do que o próprio governo.

Além dos cenários acima, existe uma infinidade de outros caminhos e possibilidades. Esses são os que considero os mais “prováveis”, contudo nos dias de hoje as coisas mudam a cada 24 horas, por isso temos que continuar ajustando nossas ideias dia-a-dia.

 Como podem perceber, nosso futuro não é nada previsível, mas aquela recuperação lenta que estávamos vivendo até janeiro ficou cada vez mais distante. Hoje temos uma pandemia, dentro de uma crise econômica, dentro de uma enorme crise política e essas duas últimas podem demorar muito para terem algum desfecho.

Existe um viés cognitivo chamado “ancoragem”, quando os investidores se amarram em situações ou estratégias de investimentos as quais acreditavam em um cenário, mesmo quando esse cenário se modifica drasticamente. Não podemos cair nessa armadilha, se formos permanecer imóveis temos que ter consciência dos motivos e suas consequências.

O que devemos fazer então?

Acredito em alguns pontos como:

- Tudo que imaginei acima, pode afetar mais diretamente o mercado de renda variável – ações, os outros mercados como fundos imobiliários e renda fixa devem sofrer menos. 

- Ainda acho que devamos ter exposição a renda variável – ações, mas diante de tantas incertezas e com possibilidade de entrarmos num marasmo por tempo prolongado, talvez possamos reduzir as posições, principalmente aquelas que foram iniciadas em meio à crise e que podem estar ainda com resultados positivos.

- Por outro lado, caso você seja um investidor com horizonte de aplicação em renda variável mais longo, que esteja ciente das turbulências e volatilidade que devemos enfrentar pela frente e que não vá precisar desses recursos no futuro próximo, podemos também seguir sem fazer nenhum ajuste, acreditando no que foi pensado anteriormente e aqui descrito no racional (1).

Estou levantando os valores que temos em cada classe de ativos para quando conversarmos tentarmos definir o caminho que seguiremos. 

Vamos em frente.